Título Original - A Canticle for Leibowitz
Autor – Walter M. Muller Jr.
Páginas – 399
Editora – Aleph
Sinopse
Após ter sido quase aniquilada por um holocausto nuclear, a humanidade mergulha em desolação e obscurantismo.
Os anos de loucura e violência que se seguiram ao Dilúvio de Fogo arrasaram o conhecimento acumulado por milênios.
A ciência, causadora de todos os males, só encontrará abrigo na Ordem Albertina de São Leibowitz, cujos monges se dedicam a recolher e preservar os vestígios de uma cultura agora esquecida.
Seiscentos anos depois da catástrofe, na aridez do deserto de Utah, o inusitado encontro de um jovem noviço com um velho peregrino guarda uma surpreendente descoberta, um elo frágil com o século 20.
Cobrindo mil e oitocentos anos de história futura, "Um cântico para Leibowitz" narra a perturbadora epopeia de uma ordem religiosa para salvar o saber humano. Marco da literatura distópica e pós-apocalíptica, vencedor do prêmio Hugo de 1961, este clássico atemporal é considerado uma das obras de ficção científica mais importantes de seu tempo.
Durante toda a minha vida, sempre
ouvi a história de que após o grande dilúvio narrado na bíblia sagrada, Deus
havia feito uma aliança com os homens dizendo que nunca mais voltaria a acabar
com o mundo por meio de enchentes, chuvas incessantes, tsunamis... Enfim, água.
E que o próximo “fim do mundo” seria feito com fogo, e a face da Terra seria
transformada em um verdadeiro inferno, exterminando a raça humana e qualquer
outra forma de vida.
Não sei se essa visão é
teologicamente correta, mas isso não é importante para o assunto que quero
tratar aqui, a única obra do autor Walter M. Muller Jr. - uma das mais relevantes para a ficção
científica - onde ele monta toda a sua visão distópica sobre essa ideia de
destruição da humanidade, mas com uma única diferença: o mundo como conhecemos
não foi destruído pela mão divina, mas sim pelo próprio homem e sua megalomania.
Um Cântico para Leibowitz ganhou um dos prêmios mais importantes da
literatura, o tão cobiçado Hugo em
1961 – um ano após sua publicação original – além de ser traduzido inúmeras
vezes em vários idiomas. E não é para menos, o autor marcou a ficção científica
do século XX com uma narrativa que acompanha a história de um protagonista
incomum e seus milhares de anos de existência e influência na história da
humanidade.
O mundo passou pelo Dilúvio de
Chamas, um gigantesco cataclisma nuclear onde pouca coisa restou. Onde tudo
voltou ao pó.
A parcela dos seres humanos
sobrevivente passaram a conviver com as mutações e os seus filhos monstruosos,
e à medida que o planeta se recuperava, os homens se reorganizavam como
civilização. Mas isso não significa que necessariamente o mundo voltou a ser
como era nos anos pré-Dilúvio.
Voltando a uma forma semelhante a
pré-história em alguns aspectos, o homem retrocede, e se organiza em tribos e recria os tempos de barbárie, as crenças no sobrenatural por forma de rituais
de ocultismo retornam a cultura e até mesmo a prática do canibalismo se torna
comum. Mas a crença mais cultivada durante esse período é a de que qualquer
forma de ciência é má e pode levar tudo à uma nova destruição.
Mesmo diante desse oceano de
ignorância e má interpretação dos fatos históricos, surge uma ordem de monges
que tem como única missão conservar todos os resíduos culturais e tecnológicos
deixados pela antiga civilização, a fim de preservá-la para um futuro próximo –
ou não – onde tudo possa ser reconstruído.
A obra é dividida em três partes:
Fiat Homo, Fiat Lux, Fiat Voluntas Tua.
Nesta primeira parte, temos a apresentação do protagonista desta “saga de um
livro só”, a própria Ordem de Leibowitz. O livro irá abordar durante toda a sua
narrativa, saltando séculos e mais séculos, os feitos da Ordem na tentativa de
cultivar o conhecimento que quase foi completamente dizimado, e a relação da
mesma com o mundo exterior aos muros da abadia.
Fiat Homo traz um jovem noviço como o cerne do primeiro arco da
história.
Irmão Francis almeja se tornar um
monge, e uma descoberta preciosa feita por ele – e seu possível encontro com o
próprio Leibowitz – põe em xeque sua confiabilidade, e testa sua fé até o
limite. Nessa primeira parte do livro, temos os primórdios da Ordem, seus
primeiros trabalhos em recolher registros antigos, copiá-los e traduzi-los.
A alegoria a “fé cega” e
até mesmo um certo ceticismo partindo da Ordem com relação à própria ciência e
aos achados feitos por Francis camuflam as verdadeiras intenções dos superiores
do monastério para com a Nova Roma – o poder máximo da igreja. Esse é o ponto
alto da primeira parte da história.
Francis é um personagem puro, que
acredita piamente no seu chamado e no seu santo protetor. Como não haveria de
ser, o autor usa essa característica do seu personagem para expor o embate
entre a certeza do que não se vê e as provas sólidas. Um clássico embate entre o
abstrato e o concreto.
Em Fiat Lux temos um avanço temporal de vários anos, e temos a Ordem
diante de uma tensão entre os povos bárbaros e os exércitos dos grandes
impérios surgidos a partir das poderosas cidades-estado.
Como o próprio título sugere, na
segunda parte da narrativa temos a Luz do conhecimento irradiando-se com mais
intensidade sobre as trevas do mundo – inclusive dentro do próprio monastério
de São Leibowitz.
A obra apresenta um paradoxo
cultural, manuseado de forma brilhante pelo autor: A igreja é responsável pela
preservação da ciência, visto que durante a história antiga – ou Pré-Diluviana
– as duas nunca andaram muito de mãos dadas. E isso logo se reflete internamente
na Ordem, quando aos poucos a igreja começa a perder espaço dentro dela mesma, por
mais ínfimo que seja, para a ciência e o progresso; despertando a ira dos
religiosos mais fervorosos.
E finalmente em Fiat Voluntas Tua temos a Ordem alocada
em futuro mais comum à ficção científica: naves voam pelo espaço, a raça humana
almeja conquistar as estrelas, e mais uma vez temos a tensão de guerra. Começa
com uma crítica severa ao homem pós-moderno e sua aparente descartabilidade e
segue até a iminência de um novo Dilúvio de Chamas, e a perpetuação da Ordem em
outros planetas, tudo envolto em muitos debates éticos e discursos de
esperança.
Quando começamos a ler as
primeiras páginas de Um Cântico para
Leibowitz e a perceber as ideologias presentes nas entrelinhas sentimos o
porquê desse livro ser considerado uma obra fundamental da ficção científica
clássica. Dessas que fogem ao padrão de mercado, sem raças alienígenas
invadindo a Terra, garotas tentando derrubar sistemas de governo e ação em
frenesi ininterrupto.
O andar da obra é compassado,
lento, alguns poderão dizer até maçante. Mas que casa com a atmosfera distópica
de uma forma singular e ideal para a mensagem que ela tenta perpetuar.
Grande parte da narrativa se
passa dentro da abadia de São Leibowitz. O cotidiano dos monges e suas práticas
ecumênicas são descritos sem muitos detalhes, mas o autor consegue transmitir
para o leitor todo o marasmo de um monastério. Por tanto, quem quiser enxergar
a riqueza dessa obra deve enxergar além disso, e captar uma essência mais
profunda.
A visão de Walter M. Muller Jr. é
uma das mais pesadas e corroídas da sci-fi
justamente por ela ignorar todos os benefícios que os avanços tecnológicos
poderiam trazer, e mostra como a raça humana possivelmente nunca será
plenamente desenvolvida, sempre voltando às trevas no final das contas.
O livro é repleto de
subjetivismos e alegorias. A natureza - representada pelos lobos e os abutres,
sempre mencionados durante a narrativa - somente observa o desenrolar dos
acontecimentos, e cuida de limpar os restos de cada civilização que se ergue.
Os questionamentos de fé não se
limitam ao campo religioso. A fé do homem em sua própria sociedade é testada
constantemente, e é muito nítido que uma das melhores qualidades do livro são esses
questionamentos que atormentam os personagens durante toda a obra.
Walter impregnou a sua história
com medo. Um medo que para a época era terrivelmente compreensivo. Após o
término da Segunda Guerra Mundial, o mundo entrou em um período muito obscuro e
tenso, e Um Cântico Para Leibowitz é
um reflexo daqueles dias, e uma visão pessimista – mas não menos realista – de
um possível futuro, complementado com uma ótima escrita e um enredo atemporal,
mas que não perde sua linearidade nem sua capacidade de se manter uma leitura atualizada
e contemporânea.
Sem dúvidas, um livro para ler e
reler. Mais que recomendado.
História

Escrita

Revisão

Diagramação

Capa

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