Resenha: Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? - Café & Espadas

11 de outubro de 2014

Resenha: Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?

Título – Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?
Título Original - Do Androids Dream of Electric Sheep?
Autor – Philip K. Dick
Páginas – 272
Editora – Aleph

Sinopse

Rick Deckard é um caçador de recompensas. Ao contrário da maioria da população que sobreviveu à guerra atômica, não emigrou para as colônias interplanetárias após a devastação da Terra, permanecendo numa San Francisco decadente, coberta pela poeira radioativa que dizimou inúmeras espécies de animais e plantas.

Na tentativa de trazer algum alento e sentido à sua existência, Deckard busca melhorar seu padrão de vida até que finalmente consiga substituir sua ovelha de estimação elétrica por um animal verdadeiro; um sonho de consumo que vai além de sua condição financeira. Um novo trabalho parece ser o ponto de virada para Rick: perseguir seis androides fugitivos e aposentá-los. Mas suas convicções podem mudar quando percebe que a linha que separa o real do fabricado não é mais tão nítida como ele acreditava.

Em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, Philip K. Dick cria uma atmosfera sombria e perturbadora para contar uma história impressionante, e, claro, abordar questões filosóficas profundas sobre a natureza da vida, da religião, da tecnologia e da própria condição humana.


Simplesmente um dos melhores livros de ficção científica que já li na vida!

Sim, já vou começar esta resenha escancarando a minha opinião final sobre Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas? do estupendo autor – e membro eterno do cânone de autores desse gênero – Philip Kindred Dick.

O conjunto de obras de Philip está entre os que mais renderam adaptações cinematográficas. Citando alguns: Os Agentes do Destino, escrito e dirigido por George Nolfi e baseado no conto Adjustment Team; Minority Report baseado em um conto homônimo do autor; A Scanner Darkly também baseado em um conto com o mesmo título e claro Blade Runner, dirigido por Ridley Scott e baseado no livro que está sendo resenhado aqui.

Como fiz em outras resenhas de outros livros que também foram posteriormente adaptados para o cinema, não vou traçar paralelos ou fazer comparações entre uma obra e outra. Aqui irei falar somente sobre o livro, mas assinalando algumas similaridades entre ambos, teremos a genialidade indubitável, o brilhantismo, a importância em suas respectivas áreas de manifestação intelectual e seu conceito de futurismo, que vão de contracorrente a todos os outros vigentes em suas épocas – visto que o livro foi publicado em 1968 e o filme foi lançado em 1982, poucos meses depois da morte de Philip.

Para você, leitor, ter uma ótima compreensão de como o filme foi produzido e tomar conhecimento de toda a problemática envolvida na elaboração dos roteiros originais, tudo isso do ponto de vista do próprio Philip, recomendo a leitura do excepcional material extra desta edição da Editora Aleph.

Os extras contêm uma entrevista de PKD para a revista The Twilight Zone, uma carta escrita por ele para os produtores de Blade Runner e um excelente posfácio escrito pelo tradutor desta nova – e maravilhosa – edição: o jornalista e escritor Ronaldo Bressane. A editora não decepciona em nada. Com uma diagramação e revisão impecável, ela mostra-se cada vez mais digna da responsabilidade que assumiu. Definitivamente, a publicação das obras primas da ficção científica aqui no Brasil está em mãos competentes e que sabem o que estão fazendo.

Mas vamos ao que realmente interessa.

Rick Deckard é um caçador de recompensas. Vivendo em um mundo que é somente os restos de uma guerra nuclear de imensas proporções, que fez com que uma grande massa de poeira radioativa extinguisse boa parte da vida animal e vegetal do planeta. Além disso, ela também afeta a saúde dos seres humanos, podendo deixar todo tipo de sequela – como retardo mental ou infertilidade.

Essa condição de vida completamente degradante fez com que boa parte das pessoas migrasse para colônias espaciais em outros planetas. É nesta hora que entram os tais andróides.

Criados para serem usados como serviçais, mas com uma tecnologia biológica possante e inteligência artificial extremamente avançada, os andróides – também chamados de andys – aos poucos começam a se rebelar contra o domínio humano, e começam a se enxergar como humanos. Alguns matam seus donos e fogem para Terra, onde são caçados de forma implacável pelos caçadores de recompensas, como o nosso protagonista.

Outro caçador de recompensas – que trabalhava no mesmo departamento policial que Rick – estava  incumbido da missão de exterminar oito andys que haviam fugido de Marte, e estariam infiltrados na população humana e até mesmo na hierarquia de grandes corporações – como a própria polícia – e outros setores de atividades vitais.

Essa premissa já arremessa o leitor no meio de um mundo grotesco, sombrio e com um estilo de vida decadente, onde a tecnologia e as criações feitas pelas mãos humanas tentam tomar o pouco espaço que resta. Um mundo que, para eles, é deles por direito. Mesmo esta abordagem sendo por si só bastante instigante, ela não é o centro ideológico da obra.

São tantas vertentes sendo exploradas simultaneamente pelo autor, e de forma tão profunda e indagadora, que absorvê-las por completo se torna um esforço quase hercúleo - e muito prazeroso.

Dick tem uma escrita muito sintética. Simples e bem objetiva; mas quando mergulhamos em sua essência, para uma visão um pouco mais profunda, explorando todos os subjetivismos, damos de cara com esse futurismo bem peculiar: degradante, com personagens complexos, com psiques conflitantes. Imersos em uma narrativa corrida, mas que consegue abordar magistralmente as principais esferas da natureza do ser humano.

A sociedade chega ao ponto de adotar uma regra que diz que todo humano deve ter um bicho de estimação. Mas como todos os animais foram praticamente extintos pela radiação, somente os mais ricos têm condição financeira para ter um espécime cem por cento orgânico. O que não é o caso de Deckcard, que tem somente uma ovelha elétrica, imitação perfeita de uma ovelha verdadeira, que é o seu sonho de consumo.

Esta imposição social explora esta relação do homem com o seu próprio mundo, de que ele necessita de algo para se apegar – característica esta que podemos observar em outras obras influentes da época, como As Crônicas Marcianas de Ray Bradbury, publicada em 1950 – mesmo que ele próprio tenha destruído o seu habitat. Essa necessidade é um peso da consciência, um “sinto muito” dito nas entrelinhas, abafado pela mão da vergonha.

E com isso, mais máquinas vão se atulhando na Terra, repovoando-a e substituindo os seus criadores, como sugere a “Teoria do Bagulho” criada pelo personagem Isidore.

Os andróides lutam para viver – quão paradoxal isto é! – enquanto os humanos, incluindo o próprio Deckard, lutam para se convencer de que os andróides são meras máquinas. Porém, o que percebemos é que a luta, em sua verdadeira faceta, é dos humanos tentando se convencer de que eles próprios não são máquinas, já que as naturezas de ambos são tão homogêneas ao ponto de se tornar algo indivisível.

A filosofia por trás desta questão, desta tentativa de definir o que faz um organismo vivo poder ser classificado como tal, é explanada com um pragmatismo único, e os personagens são os principais instrumentos usados nesta empreitada.

Os diálogos são únicos, magníficos, com uma riqueza que chega a ser estranho o fato de eles serem escritos de forma tão simplória.

Rachael, Pris, Roy são as peças chaves de tudo, a redenção e a condenação de Deckard. Personagens incríveis e muito bem arranjados, que estão ali para gerar as boas cenas de ação e, por meio de suas ações e falas, levar o leitor a um exercício de reflexão.

Outros elementos inerentes à sociedade são também muito bem utilizados por Dick.

A religião é esfacelada como algo semelhante a um vício em alucinógenos. Concede um prazer momentâneo nas máquinas de empatia, mas força o devoto a voltar para o marasmo da Terra pós-apocalíptica. Wilbur Messer é o messias dessa nova religião, que prega a ligação de todos os seres do universo por meio do sofrimento dele em um monte, onde ele tenta concluir a sua escalada até ser apedrejado.

Tudo isso sob a onipresença da Poeira.

O que difere um homem de uma máquina? Por que uma máquina que vive, pensa, age e sente como um ser humano não pode ser considerada como tal?

Mas, afinal, quem vive?

Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? exprime a luta humana para separar a sua própria natureza da natureza de sua criação: as máquinas. Mas esta obra transcende esse pressuposto e entra na névoa misteriosa e obscura da imaginação de um autor singular, que trouxe a sua visão ácida e grotesca para um gênero literário que clama por isso, por uma visão não muito otimista sobre o rumo que a humanidade está tomando.

Philip K. Dick me fez sentir, pela primeira vez, a tal da “ressaca literária”. Agora esta bem difícil não pensar no grande mistério que cerca Rick Deckard todo dia antes de dormir. Esta difícil ficar sem ler as outras obras de Dick.

Nem preciso dizer o quanto é necessária a leitura deste livro. Mas, por favor, não vá lê-lo esperando ler o roteiro de Blade Runner. Embora o filme também seja profundo e uma obra primorosa, o livro apresenta muitas diferenças facilmente perceptíveis, e que enriquecem ainda mais a construção geral. São duas obras que se complementam perfeitamente.

Por fim, leia Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? o quanto antes. Releia-o depois, e depois e depois. É só o que tenho a dizer.

História
Escrita
Revisão
Diagramação
Capa

Nenhum comentário:

Postar um comentário