Resenha: O Silmarillion - Café & Espadas

7 de julho de 2014

Resenha: O Silmarillion

Título – O Silmarillion
Título Original – The Silmarillion
Autor – J. R. R. Tolkien
Páginas – 460
Editora– WMF Martins Fontes

Sinopse 

O Silmarillion, publicado quatro anos após o falecimento do seu autor, é um relato dos Dias Antigos, a Primeira Era do Mundo. Em O Senhor dos Anéis, foram narrados os grandes eventos do final da Terceira Era; as histórias de O Silmarillion, no entanto são lendas derivadas de um passado muito mais remoto, quando Morgoth, o primeiro Senhor do Escuro, habitava a Terra-média, e os altos-elfos guerrearam com ele pela recuperação das Silmarils.

Mas O Silmarillion não relata apenas os eventos de uma época muito anterior àquela de O Senhor dos Anéis em todos os pontos essenciais de sua concepção, ele também é, de longe, a obra mais antiga. Na realidade, embora na época não se chamasse O Silmarillion, já existia meio século antes. Em cadernos velhíssimos, que remontam a 1917, podem ser lidas versões iniciais das histórias mais importantes da mitologia, muitas vezes escritas às pressas, a lápis.


Pensei bastante antes de escrever esta resenha.

Meditei se devia ou não escreve-la. Decidi pela primeira opção pois percebi que minha visão sobre essa obra (e sobre todas as outras, escritas ou não por Tolkien) mudou bastante. Abandonei a visão de fã incondicional – visão que até já critiquei em um texto que escrevi para a sessão Conversas de Taberna – e teci minha opinião que você irá ler logo a seguir.

Quem me conhece, ou quem pelo menos leu a sessão Sobre aqui do Café & Espadas, sabe que eu sou um grande admirador da obra de Tolkien. Sei que a sua escrita não agrada a todos em 100% do tempo (inclusive a mim), mas o trabalho criativo aplicado em todo o universo criado por ele é algo realmente memorável. E que dificilmente será igualado.

Conheci as obras do professor ainda no começo de minha adolescência. Comecei pelo óbvio: A Sociedade do Anel, e fiquei simplesmente extasiado com toda aquela vasta Terra Média que surgia gradualmente em minha mente, olhos e alma brilhando a cada palavra lida, numa viagem fantástica, mesmo que em meio à uma grande guerra. Imagine um jovem que acabou de ser apresentado ao mundo do RPG lendo a maior obra de fantasia épica já escrita... Pois é!

Desnecessário dizer que me tornei instantaneamente mais um entre os milhões de admiradores, não só da margem da narrativa, do que está ali explícito superficialmente: a ação das batalhas, as belas paisagens descritas extensamente durante a jornada, os atos de bravura e amizade e as alianças feitas e desfeitas; me tornei um profundo apreciador, principalmente, das entrelinhas estruturais do enredo, da cronologia perfeitamente organizada e harmonizada pelo autor, a mitologia e o passado nebuloso, do qual só temos resquícios, nas obras referentes a Guerra do Anel.

Fiquei ainda mais extasiado quando percebi como eu ainda estava somente na superfície da imaginação do mestre da fantasia.

Li O Silmarillion lentamente, saboreando bem devagar e deixando os tempos de luz de Arda me encantarem por completo. A obra é uma coletânea de várias obras, que juntas podem ser usadas para narrar a criação de Arda, o surgimento da Terra Média e das raças viventes sobre ela e além. Somado a isso, temos também os eventos transcorrentes até o final da terceira era (onde ocorre a Guerra do Anel, que é descrita resumidamente) e o início da Quarta Era, a Era dos Homens.

Vale ressaltar que o trabalho de organizar e editar todos os escritos em uma forma publicável foi feito por Christopher Tolkien, filho do Professor Tolkien. Nessa tarefa ele foi auxiliado pelo já conhecido Guy Gavriel Kay, autor de Tigana (livro que já resenhamos aqui no blog!).

A obra é compreendida em cinco partes, sobre as quais não vou transcorrer muito: Ainulindalë (A Música dos Ainur) onde temos a criação de , O Mundo, pelo poder de Eru-Illúvatar.

Valaquenta (O Relato dos Valar) que vai explanar sobre os Valar e os Maiar, seres poderosos que deram ao mundo uma forma habitável. Quenta Silmarillion (A História das Silmarils) que é a principal e mais extensa parte do livro, que narra os acontecimentos antecedentes e recorrente à Primeira Era. É nesta parte que acontece o surgimento dos primeiros elfos e dos primeiros grandes senhores élficos. Akallabêth (A Queda) que fala da ilha de Númenor e a da sua decadência na Segunda Era, quando Illúvatar faz uma grande alteração geográfica em Arda. E a última parte é Dos Anéis do Poder e da Terceira Era que, como já citei anteriormente, trata-se de um breve relato dos acontecimentos desde a forjadura dos anéis de poder até o fim da Terceira Era.

O Silmarillion não é uma narrativa convencional e comum ao mais famigerado estilo de Tolkien em vários aspectos. Um deles é a sua linearidade.

O que temos é uma linha do tempo que cruza toda a história conhecida da Terra Média, saltando anos e anos quando necessário, com vários personagens (o que rendeu muitas críticas a obra na época de sua primeira publicação, e ainda hoje também) dispostos em uma cadeia de eventos que revela uma extensa árvore de descendências, desde o despertar dos elfos.


[...] Logo, eu digo: Eä! Que essas coisas Existam! E mandarei para o meio do Vazio a Chama Imperecível; e ela estará no
 coração do Mundo, e o Mundo Existirá; e aqueles de vocês que quiserem, poderão descer e entrar nele. [...]


Outro aspecto interessante de observar em O Silmarillion é a escrita de Tolkien. A praticidade de O Hobbit, que foi muito bem aceita por grande parte do público, não está presente aqui.

Ele abandona o modelo “Esses são os personagens, e essa é a história, fim ” adotado para o público alvo de O Hobbit: o infantil, e parte para algo mais poético e lírico. Isso é facilmente perceptível no início do livro, quando Eru está criando todo o universo por meio da música dos Ainur, que para mim, é a parte mais bela de toda a obra e uma das mais belas de toda a literatura fantástica.

A ideia da criação do mundo por meio de canções entoadas por deuses já era presente em civilizações antigas, e a cultura destas foi a principal fonte de inspiração para o trabalho de Tolkien, mas em Ainulindalë, ele dá outro nível a esse paradigma, inserindo uma tragicidade nas camadas internas dos eventos da criação, e isso é simplesmente primoroso.

Mas toda a beleza da obra não se resume somente aos seus momentos iniciais. Durante o seu transcorrer, o autor retrata de forma sublime os mais clássicos embates da natureza humana, aqui retratas nas raças mitológicas usadas. A ganância é a raiz de todo o mal. O culto ao próprio ego e a prepotência causam a ruína de toda a criação.

Mas mesmo com todas essas qualidades, devo mencionar que toda essa essência lírica e o fato da escrita ser consideravelmente mais densa que a usada em O Hobbit e na trilogia O Senhor dos Anéis não agrada a muitos, e poderá não agradar a você que está lendo essa resenha.

Já me perguntaram uma vez se o certo é seguir a ordem cronológica das obras principais de Tolkien: O Silmarillion, em seguida O Hobbit e finalmente O Senhor dos Anéis. Acho que isso depende do contato prévio do leitor com as obras do autor. Claro que o ideal é ler nessa ordem cronológica, mas se você nunca teve a oportunidade de apreciar nenhuma dessas obras, e tem o receio da linguagem mais carregada do Silmarillion, então sugiro que ele seja o último a ser lido. Há um abismo de profundidade considerável entre esses três livros, mesmo eles sendo escritos pelo mesmo autor. Mas isso só será notável se você estiver disposto a encarar uma leitura com uma diferença gritante das publicadas atualmente.

A edição que li foi a publicada pela editora WMF Martins Fontes, e ela condiz completamente com a qualidade da obra. Uma ilustração belíssima na capa, diversos anexos (como mapas, apêndices, glossários e árvores genealógicas) que são essenciais para que o leitor compreenda a complexidade que permeia não só essa história, mas todo o legado literário de J. R. R. Tolkien. Um ótimo trabalho.

Minha opinião final: ler O Silmarillion foi uma experiência única para mim. E reforço aqui o “para mim”. A forma como Tolkien conduz sua narrativa, atravessando eras, utilizando referências da mitologia celta e do cristianismo somados com uma escrita rica – e mais elaborada -  pode ser considerada simultaneamente um dos escritos mais desafiadores e arrebatadores da literatura fantástica para alguns, ou somente um texto intragável e cansativo para outros. Como sempre, tudo se resume ao gosto pessoal de cada indivíduo. 

Mas o que fica definitivamente consumado é a genialidade e a imaginação ímpar do autor. E isso é indiscutível.


História
Escrita
Revisão
Diagramação
Capa

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, o achei ótimo. O Silmarillion é com certeza uma das melhores coisas que já li, juntamente com O Senhor dos Anéis e O Hobbit. Li na seguinte ordem: Hobbit, LOTR e Silmarillion; e é a ordem que sempre recomendo para quem vai entrar no mundo de Tolkien. Fiquei encantado com os filmes do LOTR, tendo-os assistido na época de seus lançamentos no cinema, e faz somente uns quatro anos que vim a ler os livros. Quando os li já era um leitor maduro, então nunca senti nenhuma dificuldade com a linguagem do Tolkien, pelo contrário, a acho maravilhosa. Sempre estou a ver em podcasts ou sites sobre literatura, quase sempre feitos por pessoas muito jovens, que a linguagem do Tolkien é difícil ou enfadonha. Acho isso uma completa heresia :), a qual atribuo mais à falta de maturidade com as nuances da linguagem literária do que como culpa do autor, claro que sempre haverá a questão do gosto pessoal. Sou leitor de Dostoiévski, Tolstói, Kafka, Edgar Allan Poe, Herman Melville, Homero, Machado de Assis, Guirmarães Rosa, Hermann Hesse, dentre outros, todos em alta consideração pela academia e a crítica literária mundial, e para mim Tolkien figura também entre esses grandes mestres da literatura universal, que perduram no tempo, pois ainda tem o que falar e ensinar a nós e com certeza a gerações futuras. Tolkien e seu mundo de LOTR ainda irá encantar leitores daqui a 100, 200 anos e mais, pois não é moda, já é clássico.

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    1. Muito obrigado Jean!

      Também acho essa ordem que você seguiu a melhor. É como se fosse do mais "fácil" para o mais "difícil". Também admiro muito a escrita do professor Tolkien, para mim é uma das mais poéticas da literatura fantástica. Já ouvi também em podcasts pessoas jovens (e até mais adultas e ,pelo incrível que pareça, escritores...) também falando de o quanto acham cansativa as descrições primorosas feitas principalmente em SDA e em O Silmarillion, tudo isso enquanto o comparam com o George R. R. Martin... É triste.

      Que bom saber que não estou sozinho nesse sofrimento rsrs. E obrigado por acompanhar o blog com tanto afinco, e tenho que ler as obras de pelo menos metade de todos esses mestres que você citou :)

      Um abraço!

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