Resenha: Ruas Estranhas - Parte 2 - Café & Espadas

7 de maio de 2014

Resenha: Ruas Estranhas - Parte 2


Título – Ruas Estranhas
Título Original – Down These Strange Streets
Autores – Charlaine Harris; Joe R. Lansdale; Simon R. Green; Steven Saylor; S. M. Stirling; Carrie Vaughn; Conn Iggulden; Laurie R. King; Glen Cook; Melinda M. Snodgrass; M. L. N. Hanover; Lisa Tuttle; Diana Gabaldon; Maddox Roberts; Hurog; Bradley Denton. (Citados aqui por ordem respectiva a posição do conto escrito pelo autor na coletânea.)
Páginas – 492
Editora – Fantasy

Sinopse

Ruas Estranhas é uma coleção de 16 histórias de fantasia urbana na qual os editores George R. R. Martin e Gardner Dozois reúnem grandes nomes da literatura como Charlaine Harris, da série True Blood, Conn Iggulden, da série O Imperador, Glen Cook, Patrícia Briggs e Diana Gabaldon.

Nessas histórias, nascidas da imaginação de autores vencedores dos prêmios mais importantes do gênero, eles exploram mundo de vampiros sedutores, lobisomens assustadores, espíritos que ajudam humanos a solucionar mistérios, demônios, zumbis e outras criaturas que habitam nossos pesadelos.

Cuidado! O Perigo está em cada esquina.

E chegamos a segunda e última parte da resenha de Ruas Estranhas, essa coletânea de contos de fantasia urbana editada por George R. R. Martin e Gardne Dozois.

Se você ainda não leu a primeira parte da resenhas clique aqui para ler. Na resenha anterior falamos sobre os primeiros oito contos, por meio de “mini-resenhas”, e seguiremos a fórmula nessa segunda parte.

Mas vamos ao que interessa. Desde já quero resumir minha opinião sobre essa segunda parte: ela não correspondeu as minhas esperanças de melhora.



Ladrões de Sombras –  de Glen Cook

Sabe quando você lê um livro, e a sensação que fica depois da leitura é um vazio? Pois é... acho que isso resume tudo...

Temos aqui o nono conto dessa coletânea, Ladrões de Sombra escrito por Glen Cook, que abre com chave de plástico a segunda resenha de Ruas Estranhas.

O autor é famoso por séries como Black Company e Starfishes, uma que narra as aventuras de um bando de mercenários em um mundo de fantasia e a outra uma ficção científica baseada na mitologia nórdica. E outra série famosa desse autor é Garret, DP, como mais de dez volumes que traz as aventuras de Garret, um detetive particular que vive em um mundo povoado por humanos, seres mágico e raças mestiças e inteligentes, tudo regado a muita magia e mistério. E esse é o protagonista desse conto.

Garret divide uma casa com seres estranhos: um ser estranho, com tromba, obeso e inerte, que se comunica por telepatia, que ele e todos os outros moradores chamam de “Homem Morto” (?); Penny, uma adolescente bela e atraente com um faro apurado para confusões; Um cozinheiro chamado Dean que não influi nem contribui para a história; e Singe, uma ratazana com aspecto antropomórficos boa com armas e ótima farejadora.

A trama começa quando a casa de Garret é invadida por seres que parecem ogros (ou trolls) em uma cena de ação muita confusa (como todo o resto do conto). Aparentemente, eles estão atrás de uma caixa que contêm a Sombra de Ryzna, um artefato místico que reúne a alma de vários magos mortos.

A história segue, com uma narrativa confusa, mal escrita e com os personagens (estranhos e mal caracterizados) soltando frases soltas, que parecem ter conexão ou sentido somente na cabeça do autor.
O conto poderia até ser bom, mas é vazio, sem andamento, e o pior: nada se resolve no final. O que dá a sensação de que ele tem uma continuação em algum lugar (possivelmente, algum volume da série Garret, DP), ou em lugar algum. Primeira vez que vejo isso em um conto.

A única pergunta que deve ficar após a leitura de Ladrões de Sombras é: Por que diabos escolheram esse conto? Os editores pelo menos o leram antes?

Confesso que dificilmente lerei qualquer outra coisa escrita por esse senhor chamado Glen Cook.


Sem mistério, sem milagre - de Melinda M. Snodgrass

Eis mais um conto que entra para o conjunto dos medíocres.

Melinda M. Snodgrass é autora de vários títulos como Circuit, CircuitBraker, Final Circuite The Edge of Reason. Mas dois trabalhos de longa data merecem destaque: seus roteiros para a série Star Trek: a nova geração (da qual também foi produtora) e a sua participação na criação da série Wild Cards; série que, como sabemos, conta com a edição do próprio George R. R. Martin.

Em seu conto a autora nos insere em uma trama que envolve seres superiores, o governo dos Estados Unidos, um anel nefasto e com uma energia que emerge do lado mais obscuro do sobrenatural.

Essas criaturas ancestrais estão entre nós, humanos, há muito tempo e chegam ao nosso mundo por meio de fendas dimensionais. E a missão do protagonista, o detetive Cross é achar uma dessas fendas e destruir o que passou por ela. E isso pode significar a maior batalha que Cross já viveu e, mesmo ele sendo um desses seres sobrenaturais, o medo o cerca em todo momento.

A história possui bons diálogos e argumentos que vão duramente de encontro aos princípios do cristianismo. A natureza desses seres superiores não é de todo esclarecida, é deixada muito no ar, a cargo da interpretação e imaginação do leitor, o que em determinados tipos de narrativas pode ser uma qualidade.

Mas mesmo assim o conto não empolga como deveria, deixando um certo marasmo no ar. Não que chegue a ser ruim ou mal escrito, só não externou todo o seu potencial.



A Diferença entre um Enigma e um Mistério – de M. L. N Hanover

M. L. N Hanover é um autor novato no mundo literário. Autor da série Black Sun’sDaugther e do livro Vicious Grace e se tomarmos esse conto como uma amostra grátis da sua escrita e imaginação, iremos perceber que ele leva muito jeito para a coisa.

O detetive Mason (do contrário de boa parte dos outros detetives dessa coletânea) não tem nada de sobrenatural, nem o mínimo contato com ele. Porém quando o misterioso assassinato de uma garota, impregnado de indícios de rituais de magia negra, é jogado em sua mesa e ele começa a receber ajuda de um consultor em exorcismos.Mason é sugado por essas crendices que envolvem anjos e demônios, o bem e o mal,e o que antes era um mero enigma evolui para um mistério. E um mistério que irá colocar todo o ceticismo de Mason em xeque. 

Com um final bem diferente do esperado, uma escrita ácida, trama intrigante e com bons diálogos com percepções filosóficas intrincadas, esse conto entra no mesmo patamar de A Sombra que Sangra e A Dama Grita, mesmo que não seja ainda tão bom quanto eles.

O que impera na narrativa é a densidade do sombrio, da sensação de que algo maior do que qualquer mortal movendo seus fios de marionete, manipulando os rumos de tudo ao seu gosto. E isso é o que cativa os fãs de histórias mais nefastas e maduras.


O Curioso Caso do Deodand – de Lisa Tuttle

Esse conto, ambientado na Londres do século XIX, é um retorno aos moldes das histórias mais famosas de Sir Arthur Conan Doyle, as aventuras do detetive Sherlock Holmes e seu auxiliar Dr. Watson.

Lisa Tuttle é premiadíssima e uma das escritoras mais respeitadas de sua geração. Ganhou o prêmio Nebula em 1981, o British Science Fiction Awards em 1987 e o International Horror GuildAward em 2007, somente com contos. Ela também escreveu vários livros. Um deles, Windhaver, foi escrito em parceira com George R. R. Martin.

Em O Curioso Caso do Deodand a protagonista narra em primeira pessoa a descoberta de seus próprios talentos de observação e investigação, quando aceita uma oferta de emprego oferecida pelo detetive particular JasperJesperson, um solteirão que vive com a mãe em um sobrado na Gower Street, e soluciona casos misterioso até então não resolvidos pela polícia.

Além da aguçada perspicácia, A Srta. Lane possui um dom mediúnico: ela sente a atmosfera dos ambientes, e presente se eles são atormentados por maus espíritos.Mesmo assim, ela mostracerto ceticismo para com o sobrenatural. Mas tudo isso cai por terra quando ela aceita o emprego de auxiliar do detetive Jasper, e o seu primeiro caso é investigar dois assassinatos que ocorreram em circunstâncias muito incomuns no passado e um que pode vir a ocorrer pelo mesmo motivo: uma jovem que carrega uma maldição que afeta todos ao seu redor. Junto a isso surge a imagem do tutor da jovem, que tem o hábito macabro de colecionar relíquias de assassinatos.

O conto é leve, sem muitas voltas no enredo e a escrita da autora é simples e direta. O final não causa grandes emoções, mas, se o conto foi uma homenagem a maior dupla de detetives que já existiu na literatura mundial, então o resultado final ficou dentro do esperado. Nem mais nem menos que isso.


Lorde John e a Peste de Zumbis –  de Diana Gabaldon

Esse conto é de longe um dos mais volumosos da coletânea, mas, apesar do título, não há tanto zumbi assim em suas linhas.

Diana Gabaldon é autora da série Outlander e uma “queridinha” do New YorkTimes. Venceu prêmio importantes como o Quill e o prêmio de ficção CorineInternational. Os romances do lorde John são considerados parcialmente como mistérios históricos e também detalhamentos da série Outlander, cuja trama ocorre na Escócia do século XVIII e XX.

Mas saindo das terras frias e chuvosas de Willian Wallace. Essa história se passa em um lugar que poderia ser um grande paraíso tropical: a ilha da Jamaica.

Ao ancorar nesse território novo e hostil, lorde John terá que enfrentar vários problemas: uma revolta de escravos em pleno andamento e com proporções que estão aumentando progressivamente em termos de gravidade e violência, corrupção dentro do próprio exército inglês, o clima quente e abafado, animais peçonhentos e, claro, zumbis.

Um governador e um capitão estão desaparecidos e cabe a John encontra-los com a ajuda de seu fiel valete Tom, do capitão Cherry e do major Fettes, membros veteranos do seu batalhão. Logo acontecimentos sinistros começam a rondar a mansão onde eles estão alojados, ao mesmo tempo que uma densa atmosfera de misticismo tira o seu fôlego. Venenos poderosos, capaz de reerguer os mortos e rituais de magia negra irão complicar ainda mais a situação e catalisar uma trama onde nada nem ninguém inspira confiança.

O conto, como já dito antes, é volumoso. E talvez esse seja um dos pecados cometidos. Por ser extenso dessa forma a narrativa em vários momentos perde o ritmo, como por exemplos nos diálogos que são constantemente interrompidos por descrições feitas pela autora.A história poderia ser melhor, com um clímax melhor e personagens mais envolventes, mas o máximo que ela consegue é ser, adivinhem! Mediana também.


Cuidado com a cobra – um conto SPQR – de John Maddox Roberts

É amigos...Realmente as coisas não andam bem para a coletânea Ruas Estranhas.

Pergunto-me qual foi o critério usado por George Martin e Gardner Dozois para escolher quais autores iriam ter seus contos inseridos nesta compilação.

Se for somente pelo fato deles estarem entre os mais vendidos do The New York Time, então eles deveriam ter optado por outras referências, pois há um grande número de autores (que não estão em listas de Best-seller) com ótimas histórias, que poderiam ter recheado as páginas deste volume com contos surpreendentes e de qualidade mais apurada.

Cuidado com a cobra tem sua narrativa em primeira pessoa ambientada no poderoso império romano. DeciusCaecilus é um senador que por vezes atua com investigador de homicídios enigmáticos e crimes mais atípicos.

O caso da vez é o misterioso desaparecimento de uma serpente sagrada de um templo religioso, eu irá culminar em uma intriga entre irmão e um jogo de inveja e cobiça.

John Maddox escreveu uma história bem curta. Em todos os aspectos.

Além de não ser muito volumosa, a narrativa não chega a instigar aquela vontade do leitor de querer resolver o caso antes do detetive da trama. O clímax é pífio, a investigação é exposta sem muitos refinamentos e faltou um elemento que até então estava presente em todos os contos, e é uma das principais temáticas desse livro: o sobrenatural. Realmente, um conto que você pode seguir para a leitura do conto seguinte sem nenhum peso na consciência.


De Vermelho, com pérolas – de Patricia Briggs

Finalmente uma recuperada de fôlego, e finalmente de umadas autoras (que não se destacaram muito nesse volume) escolhidas.

Patricia Briggs é autora da série de fantasia Sianim, que possui quatro volumes: Masques, Wolfsbane, Stealthedragon e Whendemonswalk e de muitas outras obras que mesclam fantasia com aspectos puramente associados aos gêneros de terror e suspense, como a série Mercy Thompson.

Este conto trouxe de volta a idéia original da coletânea, o sobrenatural agindo sobre o mundo humano por meio de um crime, o que leva um detetive (já acostumado a lidar com seres mágicos ou de outros mundos) a uma investigação minuciosa do caso. E é o que temos aqui.

Warren Smith é um lobisomem, e trabalha como detetive particular na empresa de advocacia de seu amigo (e amante) Kyle Brooks.

Quando Kyle sofre uma tentativa de assassinato envolvendo uma linda mulher que foi morta e transformada em um zumbi, vestida com um vestido vermelho e um deslumbrante colar de pérolas, Warren parte em uma investigação profunda para tentar descobrir o mandante do crime e o motivo de tudo. E para isso ele ganha a ajuda de duas bruxas poderosas e dispostas a ir até o fim.

Esse conto não chega a ser excepcional, mas comparado com os restantes dessa segunda parte ele se destaca pela tensão e o mistério denso que a autora consegue manter durante toda a narrativa e pela reviravolta que converge para um final inesperado. Uma agradável surpresa no meio de tanta parvidade.


A águia de Adak – de Bradley Denton

Bradley Denton é muito premiado internacionalmente e publicou diversos contos em revistas de fantasia e ficção científica. E aqui em Ruas Estranhasfaz uma ótima contribuição para a seleção (não tão ótima assim) de contos.

Em A águia de Adak somos transportados para os cruéis tempos da Segunda Guerra Mundial, na inóspita região das Ilhas Aleutas, no Alasca.

Dois soldados recebem uma missão: investigar o misterioso surgimento de um cadáver de uma águia que foi pregado em uma rocha nua em meio a neve e as ventanias perigosas da região. Apesar de parecer um tanto quanto desconexa de um enredo que envolva uma guerra e as forças armadas, essa busca logo evolui para uma trama mais intrigante quando outro corpo é encontrado: o de um soldado da marinha.

A história nos deixa na ânsia por uma resposta até a última linha, e conta com ótimas referências a uma grande obra da literatura policial, O falcão maltês escrito por DashielHammet.

Um bom encerramento para a coletânea, e um dos melhores contos sem sombra de dúvidas, mas não tenho muita certeza se irá cair no gosto de todos.



No geral, podemos dizer que Ruas Estranhas é de um nível bem mediano.

Poucas histórias se sobressaem, seja para uma qualidade superior ou inferior, e elas se acentuam dentro de seus atributos: os contos bons são muito bons, e os ruins são muito ruins.

Sinceramente, esperava bem mais, pois a celebração criada em torno desse volume gerou uma grande curiosidade em mim, mesmo eu não conhecendo 90% dos autores selecionados, mesmo eu não sendo um leitor assíduo de contos e mesmo eu não conhecendo esse gênero de fantasia urbana. Mas o que vale é a lição que já aprendi há tempos: não se pode garantir a qualidade de uma obra só pelo nome de algum grande autor que vem escrachado na capa, seja ele o autor da obra ou somente um crítico que recomenda a leitura de tal obra. E isso vale para Ruas Estranhas.

Mas calma, nem tudo são espinhos.

Há muito contos que devem ser lidos e autores com obras novas, que podem despertar o interesse do leitor pela fantasia urbana, e isso pode levar a um maior número de publicações por aqui, no Brasil. E isso pode ser um novo abrir de portas para esse gênero promissor.

Sobre a edição feita pela Fantasy para esta coletânea podemos dizer que foi feito um ótimo trabalho, realmente. Pouquíssimos erros de revisão, uma capa muito atraente e ambientada na ideia do livro, e o papel usado (amarelado e um pouco mais pesado que os comuns) rende um charme a mais para o conjunto.

Espero poder ler mais obras com essa temática. Apesar dos vários deslizes, George e Gardner acertaram em algumas de suas escolhas. Só espero que eles melhorem os critérios de seleção, assim como espero um dia poder ler as outras obras de alguns autores que contribuíram para este aglomerado de histórias.

História
Escrita
Revisão
Diagramação
Capa




Nenhum comentário:

Postar um comentário