Resenha: Ruas Estranhas - Parte 1 - Café & Espadas

4 de abril de 2014

Resenha: Ruas Estranhas - Parte 1

Título – Ruas Estranhas
Título Original – Down These Strange Streets
Autores – Charlaine Harris; Joe R. Lansdale; Simon R. Green; Steven Saylor; S. M. Stirling; Carrie Vaughn; Conn Iggulden; Laurie R. King; Glen Cook; Melinda M. Snodgrass; M. L. N. Hanover; Lisa Tuttle; Diana Gabaldon; Maddox Roberts; Hurog; Bradley Denton. (Citados aqui por ordem respectiva a posição do conto escrito pelo autor na coletânea.)
Páginas – 492
Editora – Fantasy

Sinopse

Ruas Estranhas é uma coleção de 16 histórias de fantasia urbana na qual os editores George R. R. Martin e Gardner Dozois reúnem grandes nomes da literatura como Charlaine Harris, da série True Blood, Conn Iggulden, da série O Imperador, Glen Cook, Patrícia Briggs e Diana Gabaldon.

Nessas histórias, nascidas da imaginação de autores vencedores dos prêmios mais importantes do gênero, eles exploram mundo de vampiros sedutores, lobisomens assustadores, espíritos que ajudam humanos a solucionar mistérios, demônios, zumbis e outras criaturas que habitam nossos pesadelos.

Cuidado! O Perigo está em cada esquina.

Primeiramente, devo fazer algumas considerações sobre essa resenha; que seguirá uma fórmula diferente da de qualquer outra já publicada nesse blog.

Ruas Estranhas é o primeiro livro de contos que publicamos aqui no Café & Espadas, ele contêm 16 histórias escrita por diversos autores famosos. Para não sobrecarregar uma única resenha (já que fiz “mini-resenhas” para cada conto), achei melhor dividi-la em duas partes: na primeira teremos os oito primeiros contos, e na segunda (que será publicada em um futuro breve...) teremos os outros oito contos, fechando assim a resenha completa.

Sendo assim, dados os devidos esclarecimentos, vamos a análise de Ruas Estranhas, essa coletânea de contos de fantasia urbana, que foi editada por George R. R. Martin (o maior “nome caça-níquel” do momento) e coeditada Gardner Dozois. E mesmo contando com grandes autores best-sellers do New York Times, a coleção mantêm-se mediana durante a maior parte do tempo, e quando não, tramitando entre contos excelentes e péssimos.

Antes de tudo um a aviso: Não! O título da obra não é GEORGE R. R. MARTIN!

Bom, é o que alguém pode até pensar quando olha para a capa, pois o nome dele tem tanto destaque que chega a ser mais vistoso que o próprio título da obra.

Mas claro... “George R. R. Martin” é sim o maior “nome caça-níquel” da atualidade, como falei agora a pouco. Não é à toa que um dos posts com mais visualizações do blog até o momento foi uma texto que publiquei na nossa sessão Conversas de Taberna onde listo dicas para um novo escritor dadas por ele e Neil Gaiman. Não critico quem clicou no post por simplesmente ter visto o nome dele no título, assim como não critico o próprio George, que é sim um grande autor e um nome glorioso da literatura fantástica dos nossos tempos. O que critico é essa exploração comercial tão deslavada e forçada.

“O artista nunca deve ser maior do que a sua arte”. Já citei essa máxima em outro texto que também publiquei aqui no blog, e ela vale para isso. Ainda mais quando o escritor foi somente um dos editores.

Ruas Estranhas começa com um texto introdutório intitulado O Bastardo onde Martin fala sobre esse novo estilo literário chamado “fantasia urbana”, estilo que mescla o suspense e horror ao universo fantástico e sempre tendo como plano de fundo uma paisagem urbana, localizada em qualquer ponto geográfico e em qualquer ponto do tempo da história da humanidade. Portanto teremos contos que hora se passam em cidades americanas, hora na Babilônia antiga, hora em cidade mágicas escondidas em universos paralelos ao nosso.
É bom ler essa pequena introdução, por mais fraca que ela seja, para se ter uma noção melhor de quão estranhas são essas ruas aterrorizantes.

Sem mais delongas, vamos aos primeiros oito contos.



Morte por Dahlia - de Charlaine Harris

Em Morte por Dahlia conto a autora narra uma noite conturbada na longa vida de Dhalia, uma vampira de poucos amigos e não tão jovem quanto a sua aparência indica.

A trama se desenrola em uma luxuosa mansão (chamada de ‘ninho’) onde acontece uma festa que comemora a ascensão de um novo líder vampiro, cargo esse que é chamado de ‘xerife’ (?). A Festa é frequentada por muitos outros estereótipos sobrenaturais, como lobisomens, demônios e zumbis.

Tudo estava indo muito bem, até que o assassinato de um dos humanos doadores (humanos que se oferecem como alimento aos vampiros) daquela noite põe o Ninho em risco, e Dahlia (que de repente mostra ter talentos investigativos; claro, já que temos um xerife, temos que ter também os detetives...) junto de Katamori, um outro vampiro investigador, vão atrás de descobrir quem é o culpado.

Esse conto tem a narrativa arrastada, um final bem previsível e diálogos sem muita desenvoltura. Mas logo de cara é possível notar que o ambiente criado para ele realmente não tem muito a oferecer.



A Sombra que Sangra – de Joe R. Lansdale.

Esse conto leva bem ao pé da letra o sentido da palavra "terror".

É de roer as unhas, e muitas vezes me lembrou do filme A Beira da Loucura e certas passagens de Silent Hill (o jogo, não o filme.). A história narra uma aventura sobrenatural vivida por Richard, um homem que é uma espécie de detetive particular nas horas vagas.

Ele está em uma lanchonete, em algum distrito americano onde predominantemente vivem pessoas negras (ou ‘de cor’ como o autor cita no texto.) quando Alma May, uma prostituta e antigo caso de Richard, vai até ele e lhe pede um favor: que ele investigue o sumiço de seu irmão Tootie, um exímio violonista que é a única pessoa que ela tem como família. Richard aceita a muito contragosto, e a única pista deixada por Tootie foi um misterioso disco de vinil que, aparentemente, invoca o próprio inferno com sua música maligna.

A narrativa é em primeira pessoa, e o autor ambientou muito bem os subúrbios americanos da época de ascensão do blues. O clima pesado, de um terror mais psicológico com ameaças e avistamentos sobrenaturais, mesclado à podridão e decadência tanto das estruturas físicas como dos tipos humanos, aprimora ainda mais a qualidade sombria do conto. Qualidade que, diga-se de passagem, não é encontrada nem em alguns livros ‘de terror’.

Joe R. Lansdale conseguiu me fazer esquecer o péssimo começo dessa coletânea com uma ótima história e sua escrita adulta, desenvolta e fluida.



Coração Faminto – de Simon R. Green

Nightside é um série de onze volumes, escrita por Simon R. Green e publicadas no exterior.

Nesse terceiro conto somos apresentados a John Taylor, um detetive muito familiarizado com o ambiente e as criaturas de Nightside, um submundo oculto em Londres, com uma noite eterna (sempre três horas da madrugada), onde todo tipo de magia e ocultismo pode ser encontrado sem dificuldades. John tem um dom: ele consegue encontrar qualquer coisa que precise, sempre. E esse dom vai ajudá-lo na sua próxima missão.
Holly Wylde, uma bruxa charmosa e dissimulada, teve o seu coração roubado pelo ex-namorado, um bruxo poderosíssimo que vive em uma outra dimensão, e quem melhor que John Taylor para encontrar algo perdido em outra dimensão?

Como todos em Nightside sabem, as bruxas têm o costume de retirar o próprio coração e grardá-los em um local seguro por precaução, para caso o corpo sofra um dano mortal, a bruxa possa ressurgir. Sendo assim, ela só é destruída definitivamente se o seu coração também for. Muita coisa está em jogo nessa simples missão, e há também um grande mistério que cerca a caixa, conhecida como ‘Repouso do Coração’, onde o coração de Holly foi confinado.

Essa história tem um tom de aventura e deixa o elemento suspense um pouco de lado. A escrita do autor é agradável e a história pode despertar a curiosidade do leitor por toda a série Nightside. Uma pena ela não ser publicada por aqui.



Estige e Pedras – de Steven Saylor

Nesse terceiro conto temos uma variação do gênero literário apresentado por essa coletânea: o mistério histórico. A narrativa se passa nos anos em que o glorioso império romano governava vários territórios.

O protagonista é o jovem romano Gordianus, que chega a antiga Babilônia, que agora está profanada e em ruínas. Este conto é a introdução para a série de histórias que levará Gordianus (aqui, ainda um adolescente) a conhecer as Sete Maravilhas do mundo antigo, junto com o seu companheiro de viagem Antípatro de Sido, um poeta grego já idoso. Estige e Pedras é uma introdução a Roman Blood, o primeiro romance da série Roma Sub Rosa, todos escritos pelo mesmo autor.

Chegando a antiga jóia de Nabucodonosor, Gordianus e Antípatro percebem que a antiga glória realmente não passa de míseros vestígios, que são disputados pelos visitantes e mercadores, que vendem a preços altos lascas de cerâmica e tijolos da extinta muralha da Babilônia, do imenso zigurate ou do antigo portão de Ishtar. Após a visita, a dupla de visitantes vão descansar em um pousada da cidade, localizada próxima a um templo de Ishtar, também abandonado e em ruínas, que segundo os moradores locais é assombrado pelo espírito de uma mulher amaldiçoada. Logo, Gordianus começa a presenciar mortes misteriosas no local, e a tensão e os fascínios desse lugar fascinante começam a mexer com a cabeça do nosso protagonista.

O conto é bem escrito, e tem um desenrolar bem ritmado e com leves doses de humor; além de várias informações interessantes sobre essa época tão rica da história antiga. E é também uma boa fuga do padrão contemporâneo do livro.



Dor e Sofrimento – S.M Stirling

O autor já é um nome conhecido internacionalmente no mundo da ficção científica. Autor de séries como Sea of Time e Drakas! Stirling escreve esse conto que mistura o mais puro suspense policial e o mistério sobrenatural, nos remetendo àquelas boas séries de investigação ambientadas em bairros americanos mestiços de anglos e latinos.

Eric Salvador é um policial atormentado. Um pesadelo onde uma mulher misteriosa e incendiária atenta contra a sua vida é constantemente revivido toda noite, mas algo mais misterioso ainda o traga, um jogo de gato-e-rato, em que todas as provas encontradas parecem não ter fundamento.

Um incêndio misterioso seguido do desaparecimento de Ellen Tarnowski mobiliza Eric e seu parceiro, Cesar a investigar a família Brézé, que aparentemente, não consta em nenhum tipo de banco de dados, mesmo sendo rica e influente no meio político. Aos poucos, o círculo de ameaça se fecha em torno de Eric, e quando o caso escapa de suas mãos o perigo se torna letal.

O conto está mais para um drama policial, mesmo com o sobrenatural o cercando a todo momento. A leitura estimula para devorá-lo quanto antes, e o autor coloca os momentos de tensão no local correto, com um escrita simples e de rápida compreensão. No entanto, o final não me agradou muito. Mas foi algo aceitável. Não chega a arruinar todo o conto.



Sempre a Mesma Velha História – Carrie Vaught

Mais um conto que usa a imagem mitológica do vampiro. Mas diferente do primeiro conto dessa lista, a autora coloca o protagonista Rick, um vampiro de quinhentos anos, no centro de uma história que envolve assassinato, romance e o dilema da eternidade. Como viver um amor quando se um condenado a vida eterna comtemplando a continuidade impiedosa do tempo agir sobre a mortalidade do outro?

Helen é uma mulher jovem e atraente que acabou de conseguir um bom emprego. Motivo suficiente para uma boa e solitária comemoração. Sendo assim ela vai ao Murray’s, um bar meio mal frequentado, e local onde Rick trabalha como barman. Logo eles começam uma boa amizade, que se transforma em algo mais profundo quando Helen descobre que o novo emprego não era nada do que ela pensava, e se vê ameaçada por Blake, um homem perigoso.

O conto é um pouco extenso mas a autora consegue manter o andamento da leitura de uma forma agradável, dividindo a narrativa em duas partes (passado e presente) e fazendo saltos de um para o outro, que se complementam mutuamente.

A imagem que ela usa dos vampiros é essa mais “moderna”, a qual já estamos acostumados e vemos por aí em alguns “filmes” e “livros” dos nossos tempos. No mais, nenhuma novidade. É só mais uma história sobre vampiros vivendo os dramas de um amor impossível.



A Dama Grita – Conn Iggulden

Conn Iggulden já é um nome famoso da literatura de ficção histórica. Autor de séries como O Imperador, que tem o foco na história de Júlio César, e O Conquistador que esmiúça as batalhas e a vida de Gêngis Khan; Conn é um dos integrantes do grupo seleto de autores cujo os contos integram esse livro, e ele cumpre muito bem a sua função. Narrando uma história curta que, se passar por um processo de refinamento e desenvolvimento, poderia até virar um livro independente. 

John Garner tem um trabalho incomum: fala com os espíritos de pessoas que já se foram, e traz mensagens do além para seus parentes que ainda estão no mundo dos vivos. Um trabalho nobre e belo que reconforta os corações entristecidos pelo luto. Bom... poderia até ser se tudo que John faz não passasse de pura armação e leitura fria.

Sendo assim, ele sai por várias cidades divulgando seu “trabalho” para os mais emocionalmente necessitados, claro, em troca de taxas módicas altíssimas. Mas o que ele não esperava era encontrar um fantasma de verdade, que assombra o porão da casa de uma senhora igualmente assombrosa.  Mas logo surge uma relação meio que de simbiose entre John e o fantasma, que ele chama de “A Dama”, e seu “trabalho” começa a se tornar um Trabalho de verdade, com “T” maiúsculo.

Sem dúvida, um dos melhores contos (junto com o A Sombra que Sangra) desta coletânea.

O tom cômico, pessoal e até informal com o qual o protagonista narra sua história para o leitor é cativante, e faz você rir em vários momentos. John Garner é um completo anti-herói, o típico vigarista, e o toque de ódio e rancor guardado por ele devido todos os sofrimentos que seus antepassados tiveram que passar injustamente o torna ainda mais interessante. E a história esbanja criatividade e um jeito diferente de encarar esse tema de “espíritos que vagueiam”.



Hellbender – Laurie R. King

O sétimo conto desta coletânea levanta um assunto que eu sinceramente não esperava ser abordado em um conto de fantasia urbana: a intolerância. O que seria suficiente para separar seres humanos entre si, como duas espécies diferentes? Um mero pedaço de DNA? Isso nos dá direito de sacrificar o que não é dito como humano, por mais semelhante que seja a um ser humano, em nome da ciência? E há limites para a ciência? Se há, como saber que chegamos a uma linha tão tênue como essa?

Laurie R. King é autora da série Mary Russell, publicada em 11 volumes e que narra as aventuras de uma jovem aprendiz de detetive que tem como mentor ninguém mais, ninguém menos, que o próprio Sherlock Holmes. Mas nesse conto, a autora nos apresenta outro detetive que tem uma característica especial, que torna ele e outros indivíduos alvos de criminosos que usam a ciência como escudo para suas ações cruéis e sem escrúpulos.

A história é narrada em primeira pessoa pelo protagonista (que não se identifica em momento nenhum da narrativa), um detetive que e fruto de uma experiência genética que combinou DNA humano com o de salamandras, o que gerou os SalaMens. Nome um tanto quanto engraçado, mas que traz um estigma e necessidades especiais para os que possuem essa mutação.

Todo o mistério começa quando Elizabeth Savoy, uma mutante, vai até o escritório do nosso protagonista com um lista. Nesse pedaço de papel há os nome de vários SalaMens desaparecidos. Sentindo que deve cumprir seu dever para com o “seu povo”, o detetive entra em uma investigação que vai levá-lo a conhecer um grupo criminoso que usa a internet e a necessidade financeira dessas pessoas como meios para realizar suas pesquisas nefastas.

A autora fez uma mescla de ficção científica, suspense policial leve e uma crítica social que “coloca o dedo na ferida” e ainda é uma realidade na nossa sociedade, infelizmente; e essa mistura funcionou bem. O conto não entra na minha lista dos melhores do livro, mas não deixa de ser uma boa história.





E essa é a primeira parte de Ruas Estranhas, um coletânea que tem seus altos e baixos, como qualquer outra, mas que quando é pra ter contos ruins... capricha muito na escolha!

Claro que recomendo a leitura dos contos bons, e até mesmo dos medianos, e como eles estão em maior número eu diria que (por enquanto) é uma obra que vale a pena adquirir para a sua estante.

Na segunda parte teremos os outros oito contos e uma análise da edição e uma opinião final sobre o livro completo. Então continue acompanhando o Café & Espadas e até lá!



P.S: O ranking só será colocado no final da segunda parte dessa resenha.



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