Resenha: As Mentiras de Locke Lamora - Café & Espadas

24 de abril de 2014

Resenha: As Mentiras de Locke Lamora


Título – As Mentiras de Locke Lamora 
Título Original – The Lies of Locke Lamora 
Autor – Scott Lynch 
Páginas – 463 
Editora – Arqueiro 

Sinopse


O Espinho é uma figura lendária: um espadachim imbatível, um especialista em roubos vultosos, um fantasma que atravessa paredes. Metade da excêntrica cidade de Camorr acredita que ele seja um defensor dos pobres, enquanto o restante o considera apenas uma invencionice ridícula. 


Franzino, azarado no amor e sem nenhuma habilidade com a espada, Locke Lamora é o homem por trás do fabuloso Espinho, cujas façanhas alcançaram uma fama indesejada. Ele de fato rouba dos ricos (de quem mais valeria a pena roubar?), mas os pobres não veem nem a cor do dinheiro conquistado com os golpes, que vai todo para os bolsos de Locke e de seus comparsas: os Nobres Vigaristas. 


O único lar do astuto grupo é o submundo da antiquíssima Camorr, que começa a ser assolado por um misterioso assassino com poder de superar até mesmo o Espinho. Matando líderes de gangues, ele instaura uma guerra clandestina e ameaça mergulhar a cidade em um banho de sangue. Preso em uma armadilha sinistra, Locke e seus amigos terão sua lealdade e inteligência testadas ao máximo e precisarão lutar para sobreviver.



“- A única pessoa que se safa com os golpes de Locke Lamora...
...é Locke Lamora...
...por que nós achamos que os deuses o estão poupando para uma morte realmente grandiosa. Algo com facas e ferros incandescentes...

... e cinquenta mil espectadores aplaudindo”


Já faz algum tempo que anunciamos aqui o lançamento de As Mentiras de Locke Lamora pela Editora Arqueiro. Em março, para ser mais exato.

O livro havia sido “indicado” por Patrick Rothfuss, autor de O Nome do Vento e O Temor do Sábio e após isso, não demorou muito tempo para que o primeiro volume da série dos Nobres Vigaristas chegasse as livrarias brasileiras.

De primeira (como de praxe) olhei o livro com um certa desconfiança. Afinal que é esse tal de Scott Lynch? História de ladrões? Acho que já vi esse filme... Mas não! Locke Lamora foi uma agradável surpresa nesse começo de ano e já afirmo de antemão: não sei o que vou ler daqui até o final de 2014, mas com certeza esse livro vai estar entre os 5 melhores. Sem sombra de dúvidas.

Usando uma narrativa divertida, leve, agradável e bem humorada, Lynch coloca o leitor dentro de um galeão velho com velas poeirentas e o leva para Camorr, uma cidade-estado (como muitas outras do mundo criado pelo autor) feita de várias ilhas interligadas por pontes e rios, o que me lembrou bastante a cidade de Veneza, na Itália. Aliás, é possível notar vários elementos um tanto quanto italianos nessa história: os nomes de vários personagens, as pronúncias das palavras, os aspectos arquitetônicos das edificações e até mesmo o apego a culinária, tudo é bem impregnado de uma influência desse país.

Mas as semelhanças param por aí.

A estrutura dessa imensa cidade também está repleta de um material misterioso chamado vidrantigo, que nada mais é que os resquícios de uma antiga civilização alienígena denominada Ancestres pelos camorris. Isso foi um toque exótico que o autor deu ao seu mundo, que embora seja muito instigante, não é muito explorado, mas também não influencia muita coisa no enredo, porém são esses toques sutis que dão cores ao mundo fantástico criado para ser o cenário das aventuras e tramoias de Locke e seus amigos. E falando em enredo, vamos a ele.

Locke Lamora é um gênio. Simplesmente um gênio. Chega a dar medo.



O seu instinto de roubar e a sutileza com a qual ele planeja e aplica seus golpes é de deixar qualquer ladrão experiente, ou até um deputado brasileiro, com o queixo no chão. Só há um problema com ele, e um problema muito grave: sua inconsequência.

Como qualquer gênio, Locke não é completamente compreendido, e o alcance (por vezes desastroso) dos seus golpes causa espanto no seu primeiro garrista (líder de uma gangue), um homem cruel conhecido como O Aliciador, nome que ganhou com a fama de preparar vários órfãos para ingressarem em algumas das inúmeras gangues que aterrorizam os mais humildes em Cammor.

Sendo assim, Locke é vendido para o Sacerdote Cego, líder dos Nobres Vigaristas, uma gangue bem diferente das demais. Por que diferente? Bom, para entender melhor você deve saber que em Camorr existe um acordo feito entre os nobres condes (governantes da cidade) e o Capa Barsavi (líder magnânimo do mundo do crime) que consiste em uma troca de favores: os ladrões tem total liberdade de roubar os habitantes mais humildes e os comerciantes das áreas mais pobres de Camorr sem serem importunados pela guarda local, mas não podem tocar em nenhum membro da nobreza camorri nem na guarda. Isso é a Paz Secreta um acordo que exala uma corrupção deslavada e é o principal plano de fundo para toda a trama do livro.

Os Nobres Vigaristas se diferenciam das demais gangues por ser a única que rouba diretamente dos nobres, violando totalmente a Paz Secreta. Mas eles não assaltam a mão armada, na calada da noite, ou batem a carteira de um conde enquanto ele vai ao templo do deus da fortuna fazer suas preces... não, não. Locke e seus amigos (os gêmeos Calo e Galdo Sanza e Jean Tannen, um guerreiro letal) são instruídos nas artes mais finas e sofisticadas da vigarice, como a atuação, o disfarce, a lábia... e é dessa forma que eles enganam até mesmo o próprio Capa Barsavi.

Outra coisa bem interessante nessa obra é a forma como Lynch a narra, intercalando entre o passado de Locke, sua infância no templo de Perelandro, onde ele aprendeu a ser mais cuidadoso e estratégico, e o tempo presente, onde o enredo atinge seus pontos cruciais, com um Locke já adulto, agora sendo o garrista dos Nobres Vigaristas (aparentemente o Sacerdote Cego morreu, mas o livro não explica como isso aconteceu), mais maduro, mas ainda com aquele quê de imprudência e ganância exagerada, e sofrendo por uma mulher que está ausente, e esse primeiro volume não dá maiores explicações quanto a isso. Paralelo a tudo isso, Locke e sua turma estão tentando aplicar um golpe milionário em Dom Salvara, um dos nobres de Camorr, e justo quando entra em cena o Rei Cinza, uma espécie de serial killer que só mata garristas, o que coloca nosso protagonista em uma posição de risco. Mas os planos deste assassino vão muito além do simples instinto de matança, e sua principal motivação pode ser resumida em uma única palavra: vingança.

Como deu pra notar, a trama é bem abrangente e possui vários núcleos e personagens com relevância para o enredo. Por um momento o leitor pode se questionar se o autor será capaz de manter o ritmo e de não se perder no meio de todos esses eventos. Mas isso não acontece de forma alguma.

Lynch consegue sim, e de forma impecável, manter o foco e guiar muito bem o leitor por duas histórias igualmente cativantes (o passado de Locke e os acontecimentos presentes) enquanto explora aos poucos o mundo que abriga Camorr e tudo o que há além dela.

O universo criado pelo autor é rico, colorido, por vezes até surreal de tão belo, com culturas marcantes e povos bem caracterizados em sua língua, vestimentas e paladares. Realmente um ótimo trabalho.

Sobre a edição. A Editora Arqueiro (agora parceira do Café & Espadas) fez um ótimo trabalho com esse livro. Boa diagramação, erros leves de revisão e uma capa bem bonita, que já nos dá uma boa ideia do ambiente no qual o leitor irá entrar durante a leitura da obra. Além disso, temos no final o prelúdio e um trecho do primeiro capítulo do segundo volume da série, Mares de Sangue.

Porém senti falta de um bom mapa, esse adereço que já se tornou uma constante em edições de livro de fantasia. Não fico esperando esse tipo de anexo em livros, mas no caso deste livro em especial, senti. Pois são tantos lugares e tantas direções que um mapa poderia ajudar numa visualização melhor. Mas isso é só um pequeno detalhe, nada que comprometa a obra.

Resumindo o que posso dizer sobre As Mentiras de Locke Lamora: leia o quanto antes!

Não é todo dia que vemos uma obra que esbanja tanta originalidade, personagens tão marcantes e uma trama tão bem elaborada narrada de forma brilhante. Com doses de um humor bem cara de pau, lutas frenéticas e sangrentas, reviravoltas imprevisíveis e boas citações sobre a “filosofia dos ladrões”, essa série veio para garantir seu espaço como uma das melhores publicações desse ano, até o momento. E não seria exagero dizer que ela renderia um bom filme.

Recomendo fortemente uma viagem à Camorr... mas cuidado com as suas moedas.


História
Escrita
Revisão
Diagramação
Capa

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